terça-feira, 3 de maio de 2016

Casos práticos que envolvem a negativa de atendimento e cobertura



Segundo estimativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), cerca de ¼ da população brasileira possui plano de saúde.
Inúmeros são os problemas que envolvem as regras definidas para reajustes, coberturas e atendimento, o que tem resultado em número cada vez mais crescente de demandas judiciais de consumidores que se sentem lesados por alguma ilegalidade cometida pelos planos de saúde.
As demandas mais comuns envolvem as chamadas negativas de atendimento, cobertura de cirurgias, custeio de materiais como próteses e internações.
Mesmo em relação aos planos mais antigos, é obrigatória a cobertura de todos os procedimentos face à garantia trazida pela Lei nº 9.656/98 e por súmulas do Tribunal de Justiça que estabelecem que o atendimento obrigatório abrange todas as doenças listadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), inclusive o pagamento de próteses, medicamentos e materiais necessários durante a internação.
No caso de negativa para qualquer tipo de cobertura as decisões judiciais são quase que imediatas e determinam que operadoras e planos de saúde realizem os procedimentos exatamente como prescritos pelos médicos.
A título de exemplo podemos citar julgado proferido nos autos de ação de nº 1005436-02.2014.8.26.0011 em curso perante a 1ª Vara Civel do Foro Regional de Pinheiros, atualmente pendente de julgamento de recursos.
Tal ação foi movida por segurada em razão da negativa de transferência e realização de transplante múltiplo em razão do diagnóstico emitido pela equipe médica do Hospital público Euclydes Jesus Zerbini, local onde foi inicialmente atendida em caráter de emergência.
Em razão do delicado estado de saúde em que se encontrava a segurada, a mesma necessitava ser transferida para outro hospital com condições para realização do tratamento indicado, no caso, cirurgia múltipla de fígado e rim.
Tendo em vista a gravidade dos fatos e a disponibilidade do plano de saúde, o próprio médico que a atendeu atestou a necessidade de sua imediata transferência para o Hospital Sírio Libanês para tratamento, eis que nenhum outro possuía condições de atendê-la naquele momento, seja pela complexidade do caso seja por falta de credenciamento junto à operadora do plano contratado, no caso, a Unimed Paulistana.
Diante disso, familiares e equipe médica, tentaram viabilizar a transferência da paciente para o referido Hospital Sírio Libanês, opção que trazia total segurança e confiabilidade, tanto para a paciente como os seus familiares, vez que o mesmo se encontrava credenciada ao plano e dentro da cobertura contratada, o que foi terminantemente negado pela operadora, o que obrigou o filho da paciente ingressar em Juízo em busca de amparo.
Ajuizada ação de obrigação de fazer, o i. Magistrado deferiu as liminares requeridas nos seguintes termos:
“Passo a apreciar o pedido de antecipação de tutela, em razão da urgência do caso. Conforme dispõe o art. 273, doCPC, para a concessão da tutela antecipada necessária a presença dos seguintes requisitos: prova inequívoca que convença da verossimilhança das alegações; fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou que fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. A verossimilhança da alegação de abusividade da conduta da requerida no documento de fls. 132, que comprova que o Hospital Sirio Libanes é credenciado da requerida, sendo verossímil também a alegação de nulidade da clausula que exclui a cobertura do transplante. O dano de difícil reparação, é evidente, diante do risco à saúde da autora, conforme documento de fls. 120/122. Diante do exposto, presentes, portanto, os requisitos autorizadores, defiro a antecipação de tutela pleiteada, determinando que a requerida providencie a transferencia da autora para o Hospital Sirio Libanes, em ambulância com UTI, bem como providencie a sua internação, arcando com os custos do tratamento relativo à patologia que a acomete, inclusive transplante de fígado e rim, no prazo de 48h, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, limitada a 60 dias... A presente decisão valerá como ofício, cujo encaminhamento fica a cargo da parte. Int.” (TJSP. Processo 1005436-02.2014.8.26.0011. 1ª Vara Cível - Foro Regional XI – Pinheiros. Relação:0653/2014 Data da Disponibilização: 28/05/2014. Data da Publicação: 29/05/2014).
Citada através de oficial de justiça, a operadora ainda se recusou a cumprir a ordem liminar exarada naqueles autos, prolongando ainda mais o sofrimento da paciente e seus familiares e aumentando face o iminente risco de morte em razão da ausência de tratamento adequado.
Não satisfeita, a operadora ingressou com recurso de agravo de instrumento meramente protelatório e para tumultuar ainda mais o processo, sendo tal recurso negado pelo Tribunal de Justiça.
Em sua defesa, a operadora alegou que em razão do contrato firmado com a segurada não haveria obrigatoriedade de arcar com o custo de transferência e tratamento eis que haveria cláusula de exclusão dos procedimentos dos quais a segurada necessitava.
Ainda, alegou que havia outros hospitais em sua rede credenciada e que poderiam recebê-la naquele momento sendo o pedido de transferência e tratamento junto ao Hospital Sírio Libanês “mero deleite” da segurada.
Tais alegações foram julgadas improcedentes, face ao quanto disposto no art. 35 – C, I e II da Lei 9.656/98, bem como em razão do fato que a escolha pelo tratamento junto ao Sírio Libanês não foi da segurada nem de seus familiares e sim decisão proveniente de orientação médica, conforme atestado em laudo médico apresentado.
Por todas as provas produzidas no curso do processo, o Juízo do Foro Regional de Pinheiros não teve dúvidas em julgar como procedente o pedido da segurada, nos seguintes termos:
“Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar ao autor integralmente a totalidade das despesas médico-hospitalares no Hospital Sírio-Libanês, bem como condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 7.240,00, com base no art. 269I, do Código de Processo Civil. Condeno o réu ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários de advogado que fixo em 20% do valor da condenação. Incide correção monetária desde o ajuizamento da ação e juros legais de 1% ao mês desde a citação”. (TJSP. Processo 1005436-02.2014.8.26.0011. 1ª Vara Cível - Foro Regional XI – Pinheiros. Certidão de Publicação Expedida. Relação:0830/2014. Data da Disponibilização: 14/07/2014. Data da Publicação: 15/07/2014).
Inconformada, a seguradora apresentou recurso de Apelação apresentando como argumento – o qual seria cômico se não fosse trágico - no sentido de que prejuízo maior e de difícil reparação sofreria ela (seguradora) por ser obrigada a arcar com as despesas para tratamento da paciente!
Da outra ponta, a segurada também apresentou suas razões através de recurso objetivando a majoração do valor fixado pelo Juízo em razão dos danos morais sofrido pela segurada.
Atualmente o processo encontra-se em 2ª instância para julgamento dos recursos, aguardando a habilitação dos herdeiros da segurada que, infelizmente, veio a falecer após interposição dos recursos e antes mesmo da realização dos transplantes – situação esta que deverá ser considerada pelo Egrégio Tribunal de Justiça Paulista para fins de majoração dos danos morais, com habilitação dos herdeiros da segurada falecida, conforme jurisprudência atual:
PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA INDEVIDA DE COBERTURA CONTRATUAL. DANO MORAL RECONHECIDO. INDENIZAÇÃO QUE DEVE SER ARBITRADA COM MODERAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Cirurgia cardíaca. Negativa de cobertura de materiais para substituição do gerador do marca-passo. Abusividade. 2. Dano moral. A recusa injustificada de cobertura acarreta dano moral ao consumidor. Precedentes do STJ. 3. Valor da indenização. Fixação com moderação. Proporcionalidade e razoabilidade. (R$ 20.000,00). Manutenção. 4. Recurso não provido. (TJ-SP - APL: 40025111620138260011 SP 4002511-16.2013.8.26.0011, Relator: Carlos Alberto Garbi. Data de Julgamento: 17/03/2015, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/03/2015).
PLANO DE SAÚDE. Pedido de cobertura para internação. Sentença que diante do falecimento da segurada julgou extinto o feito. Passamento do autor da ação que não retira a necessidade de se analisar o mérito da ação. Tratando-se de situação de urgência, obrigatória a cobertura, ainda que dentro do prazo de carência, já que superadas as primeiras 24 horas da contratação. Constatada urgência diante do diagnóstico de tumor cerebral. Inteligência da Súmula nº 103 do TJSP. INDENIZAÇÃO. Dano moral. Falecimento do autor da ação que não extingue esse direito, que se transmite aos herdeiros. Precedente do STJ. Recurso da seguradora desprovido e dos herdeiros da segurada provido. (TJ-SP, Relator: Teixeira Leite. Data de Julgamento: 27/03/2014, 4ª Câmara de Direito Privado).
Para o consumidor, o importante é saber que mesmo que conste no contrato, é prática ilegal negar a cobertura de procedimentos e exames, face ao quanto disposto no artigo 51,IVXVparágrafo 1º, incisos I a III do CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Tal negativa, por colocar o consumidor em desvantagem exagerada em relação à operadora de saúde e ferir a função do contrato saúde que é o de garantir o pagamento das despesas médico-hospitalares indispensáveis à manutenção da saúde do segurado, acaba por romper o equilíbrio que deve haver entre a prestadora de serviço e o consumidor e que – infelizmente – na grande maioria das vezes só se resolve acionando o Judiciário.